quarta-feira, 20 de junho de 2018

“VACA PROFANA”: um espetáculo de arte




O espetáculo intitulado “Vaca Profana” que tem a sua concepção e direção assinada por Carol Frinhani juntamente com o Grupo de Dança e Performance (GDP) da Universidade Federal de Sergipe, estreou no dia 14 de junho e esteve em cartaz nos dias 16 e 17 do mesmo mês no Centro de Cultura e Arte (CULTART), onde atualmente os estudantes do curso de dança mantem suas atividades acadêmicas. 
Estive presente enquanto espectador na segunda apresentação do grupo, em uma noite habitualmente chuvosa no mês de junho. Ao chegar no local da apresentação e rever alguns amigos e colegas que movimentam a dança sergipana, seguido de alguns abraços calorosos e trocas de palavras, passei a me questionar sobre a proposta do espetáculo. O que queriam dizer com “Vaca Profana”? contive-me e aguardei o seu início, enquanto o público aguardava próximo de uma escada que nos levaria ao teatro do CULTART. Neste interim, três moças vestindo preto e abocanhando uma maçã desceram os degraus e pressionaram-se sobre as paredes, me fazendo lembrar da passagem bíblica em que relata que nós, seres humanos, fomos expulsos do “paraíso” porque uma MULHER, Eva, comeu o fruto da arvore proibida. Isso nos vela a crer que até hoje as mulheres pagam um preço alto por conta dessa história e do ‘apetite de Eva’. Em sequencia descem os mesmos degraus, outras três mulheres encobertas por um véu transparente em que trazem consigo os mistérios e as referências mitológicas, seria a Deusa Hécate? que aparece na clássica tragédia Shakespeariana Macbeth” e que por meio de enigmas prever o futuro do bravo soldado? Ou seriam as três graças da mitologia Grega? Homero escreveu que elas faziam parte da comitiva da Deusa do amor Afrodite e que traziam consigo as graças para a humanidade, sendo elas nomeadas de Talia, a que faz brotar as flores; Eufrásia, a representação da alegria e Aglaia que representa a claridade. Não sei ao certo, sei que o mais brilhante dessa cena de abertura é o estabelecimento claro do diálogo entre as crenças cristãs e pagãs, onde uma culpaliza a mulher pelos seus atos e a outra evidencia a relevância da mulher para a cultura. 
O espetáculo traz consigo uma critica e um olhar sobre o que é ser mulher, seus rituais de comportamento, beleza, gostos e escolhas e que são impostos pela sociedade. O que se percebeu foi que boa parte das histórias expostas em cena são experiências vividas pelas mesmas meninas que compõem o elenco. 
Ao final do espetáculo, no calor das emoções, nós que estávamos na plateia, agradecemos às meninas por se expressarem e por darem voz aos nossos silêncios. 
No trajeto para casa eu fui refletindo sobre o que se passa no nosso país e mais especificamente em Aracaju SE. Anos atrás eu tive a oportunidade de estagiar no Teatro Tobias Barreto, um dos maiores teatro do nordeste onde pude observar e constatar que, quando temos um espetáculo (se é que podemos chamar isso de espetáculo), de um tal ator baiano conhecido por suas piadasmachistas e por fazer suas “festinhas” com as meninas na passarela do caranguejo,  vem em finais de semanas prolongados para esta cidade e consegue lotar o teatro Tobias Barreto, tendo todo o apoio de grandes empresas locais que patrocinam estes “espetáculos”, onde supervaloriza a típica cultura de rir da desgraça alheia.  De um outro lado nós temos pessoas que dedicam suas vidas estudando a verdadeira função da arte para as nossas vidas , e que 99% das vezes não tem o mínimo de apoio para poder concretizar suas ideias, muitas vezes tendo que ir para sinais de trânsito para arrecadar alguns trocados que possa custear a confecção de um figurino, vender rifas para amigos próximos, elaborar bazares para poder arrecadar fundos. Até quando, nós artistas, teremos que “mendigar” para podermos concretizar nossos sonhos?   
Para concluir, penso que o nome  do espetáculo de dança, dirigido e composto por mulheres nordestinas da Universidade Federal de Sergipe, se deu ao fato de se identificarem com as Vacas,  que para o hinduísmo é um animal sagrado devido à sua fertilidade; e Profanas por questionarem e verbalizarem  através da dança aquilo que está no pensamento de toda mulher.  Por isso eu sugiro que novas Vacas Profanas surjam e continuem com a propagação desse trabalho iniciado pelo Grupo de Dança e Performance (GDP).
O espetáculo Vaca Profanafaz seu elenco regurgitar na cara de todos os machistas e despertar a chama dePrometeunas mulheres, que estão presas por correntes sociais. Enfim, Vaca Profana veio para mostrar que temos ARTE de qualidade nesta cidade de Aracaju e que peças como esta deve ser incentivada e ampliada para o grande público. 

 Paulo Sérgio Lacerda